Estamos dando início a uma nova seção deste blog, um ciclo de entrevistas que serão curtas, porém muito inspiradoras. Conversaremos com pessoas interessantes que trabalham criativamente interligando áreas de conhecimento distintas ou que possuem uma visão ou trabalho significativo do ponto de vista da sustentabilidade em qualquer nível.
Iniciaremos este ciclo com um bate-papo com o artista e educador Alberto Tembo, que também é sócio-fundador da Zebra 5, uma empresa de educadores que acredita no jogo como um valioso elemento do aprendizado estético.
1. Beto, além da arte, você tem uma grande paixão por animais e pela natureza em geral. Muitos de seus trabalhos revelam essa admiração. Como você constrói estes vínculos? Você diria que busca uma abertura de consciência mais ecológica através da arte?
A ligação de arte e ecologia se deu para mim de uma maneira natural. Hoje, a land art e a produção dita ”ambiental” retornaram com força, mas para mim isso nunca foi uma questão de inserção no mercado da arte - mesmo porque na época em que estava na faculdade não havia o menor estímulo para que se seguisse esse rumo. Então, foi uma busca solitária, mais introspectiva no início, e que ao longo do tempo foi agregando parceiros de trabalho e inspiração, e tornando-se felizmente mais coletiva.
Por estranho que pareça, um artista que me inspirou a dar um salto rumo ao desenvolvimento de uma arte viva, ou bio-arte, foi Abraham Palatnik, que nada tem a ver, que eu saiba, com a discussão ecológica. Quando entrei em contato com sua obra percebi que as categorias artísticas, divididas em linguagens, não significam nada, não fazem nenhum sentido. E que para produzir, devemos usar nosso conhecimento adquirido nos mais diversos campos- no caso dele, na engenharia. Foi quando comecei a produzir obras com aquários, por exemplo.
Acredito na arte como uma potente possibilidade de expansão de consciência, de rumar para uma zona de expansão que outrossim permaneceria intacta, de enriquecer nossa existência. E para além deste poder de mobilização individual, também opera mudanças concretas. Muitos artistas mobilizam questões de interesse social sem cair no discurso panfletário, sendo propositivos e estéticos ao mesmo tempo.
Para mim, interessa discutir a nossa experiência na terra, com t minúsculo, nossa vivência e a dos outros, todos os outros, que nos cercam. A ecologia sempre existiu, antes mesmo de existir como termo ou ciência. Eu busco essa ecologia.
2. No passado, você fez uma viagem à África. O que lhe impressionou mais, tanto positiva quanto negativamente em relação à vida nesta região do planeta?
Pareceu uma viagem a um passado remoto, ancestral.
A pobreza e corrupção, principalmente nas cidades, é terrível. Mas o que mais me chocou foi perceber como nos recrudescemos com a dominação. Eu conseguia ter contato espontâneo apenas com crianças e adolescentes. Com adultos, a relação era, via de regra, calcada no dinheiro- em quanto eu, como turista, poderia render, em gorjetas ou compras. É compreensível pela História, mas não deixa de ser triste. Isso impediu uma troca mais rica, imaterialmente falando.
Em relação aos animais, duas experiências me marcaram.
Uma ocorreu durante conversa com um Masai, em que ele foi imitando sons dos bichos da savana. Quando perguntei qual era o som do rinoceronte, ele demorou. Parecia raramente ouvi-lo. Depois de um tempo, soltou um ruído, e disse: “Rhino dying”. Era o som ao longe, dos rinocerontes vitimas de caçadores com armas de fogo. Parecia um animal remoto mesmo para um africano. Muito triste.
A outra foi uma experiência maravilhosamente estranha ao ver uma girafa galopar na savana. Alguma coisa no meu cérebro ocorreu, fiquei achando que havia algo errado com aquele movimento, parecia tudo em câmara lenta. Foi lindo. Fiquei desnorteado por um minuto, tentando me situar, foi esquisitíssimo.
3. O que você sugeriria como atitude ou ação que contribuísse para construirmos uma sociedade mais sustentável, que respeite os sistemas de vida como um todo do qual somos parte?
A resposta está na pergunta. Respeitar os sistemas de vida como um todo.
A compreensão errada da religião causou uma grande desconexão com a natureza. Expulsou-a de nós ao mesmo tempo em que nos expulsou do paraíso. Negou-nos sua sensualidade, sua experiência direta, em prol de um domínio conceitual extremamente desonesto. Está na hora de compreendê-la de outra forma, resgatar vertentes amorosas e não excludentes ou hierárquicas, retomar Francisco de Assis com mais honestidade e diligência. E olhar humildemente para outras tradições que concebem a relação com a natureza de modo mais irmanado. Construir uma ética que seja calcada de fato na preservação da vida, como o maior bem que existe.
4. O Zebra 5 é um projeto que busca novas formas de aprender a partir do jogo, ou seja, de processos mais lúdicos, estéticos, colaborativos e interativos. Que características importantes para o desenvolvimento de uma inteligência mais humana você acredita que os jogos podem ajudar a adquirir?
O jogo é uma ferramenta sensacional. Mas dentro deste conceito de jogo, há uma gama enorme- os virtuais, os cooperativos, os de tabuleiro, os jogos simbólicos, os de construção... depende da lógica que se queira agrupá-los. E cada qual pode propiciar o desenvolvimento de uma ou outra habilidade ou faceta do ser humano. Mas tem duas coisas que me fascinam nos jogos: em geral, são movidos pelo prazer de se jogar, de se superar o desafio; e são mundos que se distinguem da vida comum (nesse sentido se aproximam da arte). Eu me surpreendo como a educação pode viver tão distante dos jogos, ou como utiliza-os mal, ao tentar torná-los excessivamente pedagógicos, destruindo-os enquanto jogos.
5. O que o termo “Sustentabilidade de Vida” diz para você?
Me faz pensar que, se conseguirmos compreender sem tristeza que nossa vida deixará de existir, mas a Vida como um todo continuará, faremos de tudo para não agredi-la. Querer sustentar nossa vida indefinidamente, no centro de tudo, é o maior problema. É insustentável, afinal.
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Alberto Tembo acaba de inaugurar um conjunto de intervenções efêmeras e orgânicas nas áreas verdes do Sesc São Carlos: Intervenção - CorRedorVerDe. Para Saber mais:
http://www.sescsp.org.br/sesc/programa_new/mostra_detalhe.cfm?programacao_id=247284
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Abaixo um vídeo de uma mostra realizada para o Sesc em 2012:
LCAC Mostra Sesc 2012 from Stella Ramos on Vimeo.
Cláu, muito me honra inaugurar sua sessão de entrevistas. Um grande beijo!
ResponderExcluirTambém muito me honra sua presença. Estamos iniciando em alto nível e esta energia só poderá trazer sorte e boas expectativas. Beijos e obrigada! Cláu
ResponderExcluirEu até chorei de emoção ao ver uma entrevista tão bem feita e em defesa de uma tão grande causa, a Ecologia com o mundo animal, vegetal e artístico.
ResponderExcluirParabenizo a todos os que participaram e participam desse belo trabalho.
Que inteligente Beto, (alias, sempre soube) e que quadro lindo!
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