domingo, 13 de setembro de 2015

A Fé tem Alma

Diz o ditado que a fé é cega. Há pouco tempo tive uma conversa onde a outra pessoa se mostrou incomodada com a minha crença, como se esta me desviasse da realidade e me tornasse uma pessoa iludida.

Fiquei refletindo sobre como é difícil para algumas pessoas ver o positivo, acreditar que há uma força maior por trás daquilo que acontece e reconhecer uma realidade que não é tão palpável em determinados momentos da vida. Penso que a fé não é cega, ter fé não é simplesmente acreditar sem motivos porque dizem que é bom ou crer por afinidade em um conceito que parece belo, mas que não é sentido. Acho que é bem ao contrário disso, comecei a definir a fé para mim mesma como um abrir os olhos, fruto de um despertar. A fé é o resultado de um conjunto de sentimentos, conhecimentos e percepções que vamos cultivando, alimentando e adquirindo e que nos permite ver além do que o mundo físico é capaz de nos mostrar. A fé é um estado perceptivo a ser alcançado.

Um importante rabino da mística judaica, conhecido como o Maharal de Praga ensinava: “A relação entre o ser humano e a espiritualidade é como a relação entre o peixe e a água, no momento que fica longe dela, perde a sua vitalidade”.


Assim que nos afastamos dos mistérios mais profundos da existência, começamos a morrer aos poucos e o sofrimento é inevitável, nos impedindo de crer que ainda há esperança, uma luz no fim do túnel.

Assim como o atleta precisa de horas de treino para adquirir certa flexibilidade e capacidades físicas incomuns para uma pessoa qualquer, o ser humano também precisa de horas de reflexões silenciosas, estudo e prática para o espírito para adquirir uma percepção mais sofisticada da realidade. 

Capacidades espirituais ou místicas são fruto de treino e dedicação.


A realidade pode parecer a mesma para todos os seres, mas a forma como percebemos as coisas é diferente para cada um de nós de acordo com nossos estados internos. Vivemos vidas diferentes em realidades diferentes dentro do mesmo mundo. Quando sinto certeza absoluta de que tudo ficará bem, independente de quão escura uma situação possa parecer exteriormente, é porque fiz nascer e crescer dentro de mim uma conexão com essa força que está por trás do aparente. Essa luz interna me permite ver, sentir e perceber as coisas de uma maneira diferente, me permite enxergar novos horizontes e a força de uma luz maior que pode dissipar qualquer escuridão em frações de segundo. 

A fé não é vazia nem cega, assim como a alma, ela precisa evoluir e crescer, sair do lodo e alcançar a luz.

domingo, 19 de julho de 2015

Nem tudo parece o que é

Somos herdeiros do Iluminismo. Fomos educados para acreditar em um mundo ilusório que está se mostrando cada dia mais distante da realidade. Mas também nós somos responsáveis por criar verdades que atendem a um modo de vida porque é mais cômodo e interessante para nós. Somos também responsáveis por acreditar nestas verdades que estão, aos poucos, nos destruindo e destruindo o mundo em que vivemos.

Mesmo nas coisas aparentemente mais simples, nossa falta de discernimento é visível. Por exemplo, ao lavarmos nossas louças, nossas roupas, nossos corpos, cabelos, e assim por diante, procuramos produtos que fazem a maior quantidade de espuma possível, acreditando que, quanto mais espuma, mais limpo ficará o que estamos lavando. Mas, na verdade, quanto mais espuma, mais química existe e, portanto, mais agressivo será e mais poluída ficará a água que devolvemos ao meio ambiente. Assim, todos os dias, vamos sujando nosso bem mais precioso, a água, que já mostra sintomas graves de escassez e qualidade.



A partir da teoria da evolução proposta por Darwin, criamos uma sociedade baseada na lei do mais forte, mas até mesmo ele a reconhecida como uma regra parcial dentro das leis da natureza. Assumimos isto como verdade e toda a nossa civilização sobrevive crendo que devemos crescer à custa dos demais. Se eu sou mais forte que meu vizinho, se tenho vantagens sobre ele, terei mais chances na vida. Porém toda a Biologia e a Ciência atual estão mostrando que esta característica é apenas uma exceção. A regra é a lei da colaboração. Todos os seres vivem em colaboração e harmonia, contribuindo para que, juntos, o processo evolutivo continue vivo, gerando sempre novas etapas de forma criativa e cocriadas.

Fomos levados a acreditar, com a Era da Razão, que só é possível conhecer a verdade através do intelecto e das ciências exatas. Todo o nosso sistema educativo está baseado nisso. Nossas teses, nossos relatórios, o conhecimento em nossas escolas, nossas leis são todos transmitidos através da linguagem verbal, a única que pode ser considerada científica e capaz de ser fiel a realidade absoluta. Mas o que é verdade absoluta?

Deixamos para trás as imagens, os sons, os outros sentidos que estão ressurgindo, como um respiro, em grande parte pela revolução da internet. O ano passado vimos a primeira tese de doutorado em educação ser apresentada em forma de história em quadrinhos na Universidade de Columbia. O estudo trata da importância do pensamento visual no ensino. Nós não podemos perceber e conhecer o mundo apenas através da linguagem verbal. Apesar de parecer óbvio, essa volta da aquisição de conhecimento através das diversas linguagens e sentidos ainda levará um tempo para formar parte do nosso dia-a-dia. Que dizer do que não percebemos com os sentidos físicos, mas através do que chamamos intuição?

Foto: doutorado do educador Nick Sousanis 


Essas verdades criadas estão impregnadas em todos os aspectos da nossa vida, de forma que nos tornamos cegos diante do universo complexo que existe diante de nós.

Especialistas na área da lingüística e da neurologia mostraram que as diferentes estruturas das línguas desenvolvem diferentes regiões cerebrais. Esse desenvolvimento permite a certos povos perceberem coisas que outros não conseguem. Os aborígenes australianos, por exemplo, conseguiam perceber uma comunicação entre os seres do planeta que nós não percebemos. Eles conheciam, sem ter nenhum equipamento científico para isso, os campos eletromagnéticos do planeta. Conheciam energias e vibrações as quais só tomamos conhecimento através de equipamentos e medidores.
Mas o nosso mundo não comporta mais a nossa cegueira. Não é mais possível fingir que está tudo bem e continuarmos agindo de acordo com o que enxergamos quando nosso sistema ecológico sucumbe diante de nossos olhos, quando nossos irmãos sofrem de fome e uma imensa carência de amor, quando a população mundial está, em sua grande maioria, sofrendo com a depressão, o excesso de peso, a insatisfação, o sentimento de incompletude e assim por diante. É comum vermos pessoas sentindo-se sozinhas em meio a milhões de pessoas que as cercam.


É preciso despertar! E podemos começar criando uma atitude de questionamento. Cada ato que fizermos, cada coisa que aparecer em nosso caminho, em tudo o que dedicarmos nosso tempo e energia, precisamos nos perguntar: que conseqüências isso trará na minha vida? Na vida das pessoas que me cercam? Na saúde do planeta? Isso satisfaz minhas necessidades mais profundas? Eu preciso fazer isso desta forma? É possível fazer de forma diferente?

O mundo precisa ser reinventado e somos os responsáveis, como seres que guiam o destino do planeta, pela desconstrução de nossas crenças, de nossas atitudes, de nossa maneira de interpretar a vida. Busquemos antes o que satisfaz a alma e que nos permita contribuir para a construção de um mundo melhor e mais feliz, de um planeta que nos inclua como heróis, não como vilões de nossa própria estória.

domingo, 8 de fevereiro de 2015

O Arqueiro

Muitas sabedorias e espiritualidades do mundo dizem que percebemos a realidade de uma forma limitada, como se houvessem véus que tornam as coisas difusas e que devemos nos esforçar para ver através desses véus, derrubá-los para conseguirmos ver a realidade mais nítida e ampla. Eu acredito que tudo o que existe possui diversas camadas ou níveis de sentido e, muitas vezes, nós vemos as coisas de forma muito pobre. Cada presença, cada acontecimento pode nos levar a uma compreensão mais profunda da vida e de nós mesmos. Eu procuro ver a vida desta forma.



Há pouco tempo, comecei a assistir a série Arrow, sobre a estória do super-herói Arqueiro Verde, que conquistou grande popularidade no mundo. Eu adoro ler e assistir estórias de super-heróis, já escrevi um post sobre isso. Mas, comecei a gostar tanto dessa série que um questionamento começou a me perseguir. Por quê esse personagem me atrai tanto? Por quê algo se move dentro de mim quando assisto esses episódios? Claro que há toda uma superprodução americana por trás, atores de talento e pessoas muito bonitas. Mas o que eu estava sentindo era mais profundo. 

Então um dia a resposta apareceu transparente para mim. Em primeiro lugar, me dei conta da semelhança do personagem com o meu signo, Sagitário, uma palavra que vem do Latim Sagittarius, que significa “arqueiro”, mais exatamente “relativo a flechas”, de sagitta, “flecha”.

Há muitas interpretações sobre essa simbologia. O arqueiro, meio homem meio animal, aponta sua flecha para as estrelas simbolizando a união dos três planos da existência: o físico, o mental e o espiritual. O arqueiro apontando seu arco e flecha para um alvo alto e distante significa sua busca pela sabedoria, a evolução espiritual após a transformação interior. Neste sentido, a flecha representa o intercâmbio entre o Céu e a Terra.


Na mitologia grega, o arqueiro foi representado por Quíron, príncipe dos centauros, um ser imortal respeitado por sua sabedoria e aquele que orientava os guerreiros na floresta. Aliás, a ideia da morte x imortalidade está sempre presente, tanto no signo quanto na série. 

Ao falar sobre a jornada do guerreiro, o mestre de meditação e professor Chögyam Trungpa aponta três ferramentas que ajudam no caminho, sendo uma delas uma arma, 

“representada pela analogia do arco e flecha, que se relaciona ao desenvolvimento da sabedoria, ou prajna, e de meios hábeis, ou upaya. Prajna é a sabedoria da consciência discriminadora, que experimenta a intensidade de percepções sensíveis e desenvolve precisão psicológica. (...) Aqui você maneja essa inteligência como uma arma de consciência. Você só consegue desenvolver esse tipo de intensidade se alguma experiência de ausência de ego se manifestar em sua mente. Caso contrário, sua mente ficará preocupada, cheia de seu próprio ego. Mas, quando você faz a conexão com a bondade fundamental, pode lidar com a real intensidade da flecha e com os meios hábeis fornecidos pelo arco. O arco permite que você controle ou execute a intensidade de suas percepções”.



Quando juntei todas essas peças, percebi o quanto as milhares de simbologias e metáforas desta série tinham a ver comigo, com o caminho da transformação interior e as buscas da minha alma, com as características mais profundas do meu ser. O arco e a flecha como ferramentas para desenvolver a concentração e a habilidade necessárias para adquirir a consciência discriminadora, a percepção sofisticada e precisa do outro, do inimigo ou ego, da vida. O próprio arqueiro como aquele que através do esforço e da autosuperação, procura vencer seus medos, suas fraquezas, sua miopia espiritual.

O arqueiro verde está, como a maior parte dos filmes e séries de super-heróis, ocupando o lugar dos mitos em nossa cultura. Estamos carentes de mitos, como já dizia Joseph Campbell, e os mitos têm uma importância crucial em nossas vidas. Todas essas estórias, que podem parecer apenas entretenimento para alguns, estão na verdade, alimentando nossas almas e nossos subconscientes com ensinamentos e significados mais profundos do que muitos conseguem perceber.