domingo, 8 de fevereiro de 2015

O Arqueiro

Muitas sabedorias e espiritualidades do mundo dizem que percebemos a realidade de uma forma limitada, como se houvessem véus que tornam as coisas difusas e que devemos nos esforçar para ver através desses véus, derrubá-los para conseguirmos ver a realidade mais nítida e ampla. Eu acredito que tudo o que existe possui diversas camadas ou níveis de sentido e, muitas vezes, nós vemos as coisas de forma muito pobre. Cada presença, cada acontecimento pode nos levar a uma compreensão mais profunda da vida e de nós mesmos. Eu procuro ver a vida desta forma.



Há pouco tempo, comecei a assistir a série Arrow, sobre a estória do super-herói Arqueiro Verde, que conquistou grande popularidade no mundo. Eu adoro ler e assistir estórias de super-heróis, já escrevi um post sobre isso. Mas, comecei a gostar tanto dessa série que um questionamento começou a me perseguir. Por quê esse personagem me atrai tanto? Por quê algo se move dentro de mim quando assisto esses episódios? Claro que há toda uma superprodução americana por trás, atores de talento e pessoas muito bonitas. Mas o que eu estava sentindo era mais profundo. 

Então um dia a resposta apareceu transparente para mim. Em primeiro lugar, me dei conta da semelhança do personagem com o meu signo, Sagitário, uma palavra que vem do Latim Sagittarius, que significa “arqueiro”, mais exatamente “relativo a flechas”, de sagitta, “flecha”.

Há muitas interpretações sobre essa simbologia. O arqueiro, meio homem meio animal, aponta sua flecha para as estrelas simbolizando a união dos três planos da existência: o físico, o mental e o espiritual. O arqueiro apontando seu arco e flecha para um alvo alto e distante significa sua busca pela sabedoria, a evolução espiritual após a transformação interior. Neste sentido, a flecha representa o intercâmbio entre o Céu e a Terra.


Na mitologia grega, o arqueiro foi representado por Quíron, príncipe dos centauros, um ser imortal respeitado por sua sabedoria e aquele que orientava os guerreiros na floresta. Aliás, a ideia da morte x imortalidade está sempre presente, tanto no signo quanto na série. 

Ao falar sobre a jornada do guerreiro, o mestre de meditação e professor Chögyam Trungpa aponta três ferramentas que ajudam no caminho, sendo uma delas uma arma, 

“representada pela analogia do arco e flecha, que se relaciona ao desenvolvimento da sabedoria, ou prajna, e de meios hábeis, ou upaya. Prajna é a sabedoria da consciência discriminadora, que experimenta a intensidade de percepções sensíveis e desenvolve precisão psicológica. (...) Aqui você maneja essa inteligência como uma arma de consciência. Você só consegue desenvolver esse tipo de intensidade se alguma experiência de ausência de ego se manifestar em sua mente. Caso contrário, sua mente ficará preocupada, cheia de seu próprio ego. Mas, quando você faz a conexão com a bondade fundamental, pode lidar com a real intensidade da flecha e com os meios hábeis fornecidos pelo arco. O arco permite que você controle ou execute a intensidade de suas percepções”.



Quando juntei todas essas peças, percebi o quanto as milhares de simbologias e metáforas desta série tinham a ver comigo, com o caminho da transformação interior e as buscas da minha alma, com as características mais profundas do meu ser. O arco e a flecha como ferramentas para desenvolver a concentração e a habilidade necessárias para adquirir a consciência discriminadora, a percepção sofisticada e precisa do outro, do inimigo ou ego, da vida. O próprio arqueiro como aquele que através do esforço e da autosuperação, procura vencer seus medos, suas fraquezas, sua miopia espiritual.

O arqueiro verde está, como a maior parte dos filmes e séries de super-heróis, ocupando o lugar dos mitos em nossa cultura. Estamos carentes de mitos, como já dizia Joseph Campbell, e os mitos têm uma importância crucial em nossas vidas. Todas essas estórias, que podem parecer apenas entretenimento para alguns, estão na verdade, alimentando nossas almas e nossos subconscientes com ensinamentos e significados mais profundos do que muitos conseguem perceber.